terça-feira, 5 de maio de 2009

Pivô: farol ou rosa-dos-ventos

Uma das grandes riquezas do Futebol é a sua pluralidade, pois o Jogo contempla diferentes jogares e esse é um aspecto muito pertinente. É que daí surge a necessidade de cada um balizar conceptualmente aquilo que entende por jogar bem e definir de forma coerente o que pode fazer emergir tal complexidade singular: o jogar de cada um. Se assim não fosse, não faria sentido este tipo de discussões e troca de ideias, o futebol seria igual para todos e a unanimidade, com todos os seus perigos, reinaria. Paradoxalmente, mas sem qualquer contradição, há, contudo, no Futebol de qualidade alguns padrões, numa escala mais alargada, Macro (dos quais potencialmente podem emergir inúmeras subdinâmicas singulares num nível mais restrito, Micro), que podem ser identificados e que, como tal, deverão ser extensíveis à generalidade dos jogares que aspiram a tal categoria de qualidade.

Tal como refere o Nuno Amieiro, também entendo que “a posição 6 é crítica para se jogar bom futebol”. De facto, a função do pivô, quando este funciona como tal e não apenas porque ocupa aquela zona do campo, permite-lhe ser o “farol” que orienta a equipa sendo, desse modo, determinante para a funcionalidade colectiva em equipas que aspiram a um Futebol de qualidade e que assenta, como é referido mais uma vez pelo Nuno Amieiro, “num jogar mais apoiado e circulado, assente no bom jogo posicional de todos os jogadores … Um jogar onde o que corre é, fundamentalmente, a bola… para que a profundidade seja ganha com naturalidade e qualidade”.

Nas estruturas que contemplam a existência da posição, e pelo seu posicionamento em campo, o pivô estabelece relações directas com a generalidade dos jogadores da equipa. Para além disso, em determinadas estruturas, trata-se de uma posição onde a essência do Futebol, a Interacção, está potenciada, ainda que a nível formal e abstracto. Considero, assim, que a opção por este jogador como principal referência para a dinâmica ofensiva colectiva, quer em transição defesa-ataque como em organização ofensiva, pode consubstanciar um jogar de qualidade. Mas importa aprofundar as razões de tal convicção...

Desde logo, admiro as equipas que se sentem confortáveis a jogar na zona central, ainda que não hipotequem e façam questão de explorar a possibilidade da bola percorrer todo o campo, em largura e profundidade (negativa ou positiva), para se sentirem mais à vontade no meio quando a bola lá retorna. Ora, para a equipa o fazer, a qualidade do seu jogo posicional é determinante. E, neste ponto, o jogo posicional do pivô é decisivo, assim como o dos médios interiores que com ele estabelecem o triângulo que, tal como o campo, se quer grande. Contudo, só será grande se o pivô, que considero dever ser o mais posicional de todos os jogadores, estiver devidamente posicionado. Caso esteja demasiado recuado (como muitas vezes se observa alguns pseudo pivôs fazerem, ao ponto de baixarem para a linha dos centrais a pedirem a bola em construção, ou então, partindo de tal posição como sucede com os ditos “trincos” que, em organização defensiva, se juntam à linha do sector defensivo), o que se verifica é que os médios interiores são forçados a baixar e, por consequência, também os restantes jogadores mais adiantados, levando a equipa a perder profundidade. Ou então, não baixam e a equipa parte-se. Se, pelo contrário, o pivô se encontra demasiado adiantado, o triângulo fica pequeno, encurta ou deixa mesmo de o ser. Tal adiantamento do pivô retira espaço aos médios interiores e aos jogadores mais adiantados levando a menor espaço para a bola circular e finalizar, a uma diminuição do espaço e tempo para os jogadores executarem, a uma sobreposição de linhas e a uma aglomeração de adversários na zona central. Com tudo isto, torna-se difícil ver aquilo que tanto admiro: uma equipa a jogar no interior da outra.

O campo de futebol é grande e, além de poder andar perdido em profundidade, o pivô pode igualmente perder-se em largura, caindo ora num lado, ora no outro, tanto para pedir a bola em posse, como para efectuar acções defensivas nos corredores laterais em organização defensiva, saindo da sua posição, perdendo-se no campo, apagando-se, deixando de ser o “farol” da equipa que, como tal, se sentirá às escuras e à deriva. Mais, ao sair da sua posição central para zonas laterais, não deixa somente de ser a referência que deve ser na zona central, como retira espaço aos jogadores que jogam nessas zonas do campo, sem esquecer que leva os restantes médios a ajustarem-se, o que muitas vezes leva a uma grande densidade de jogadores em zonas laterais. Logo, não só não se verifica aquilo que tanto gosto, como se torna mais fácil para o adversário recuperar a posse de bola, pois se nós lá estamos eles vão para lá e aí têm a vantagem de jogar com um jogador extra cuja abrangência de espaço é enorme: a linha lateral. Percebe-se, então, por tudo o que referi, que o posicionamento e funcionalidade do pivô são determinantes para que uma equipa possa jogar no interior do adversário. Daí que eu faça a sua apologia.

Em transição ofensiva e em organização ofensiva, este jogador deverá não somente ser um “farol”, mas também uma “rosa-dos-ventos”, um ponto de referência, não muito móvel, que torna possível à equipa jogar no sentido de “todos os rumos determinados pelos pontos cardeais” e que, além disso, lhe mostra e leva a reconhecer tal possibilidade. Que implicações tem isto nos momentos de transição ofensiva e de organização ofensiva? Imensas! Mais variabilidade, mais imprevisibilidade, mais qualidade e, claro, para o adversário, mais dificuldades.

Importa, contudo, advertir que para ser o “farol” e a “rosa-dos-ventos”, ou ainda “o epicentro de toda a dinâmica ofensiva colectiva”, como refere o Nuno Amieiro, tem de haver critério na escolha de tal jogador. No meu entendimento, este jogador deverá ser muito posicional e capaz de reconhecer que a mobilidade no Futebol, por vezes, implica não se mover, saber estar e ficar, sem roubar espaço aos restantes jogadores, garantir sempre diagonais de passe para poder jogar com regularidade de frente para o jogo, funcionar como apoio recuado em zona central para os jogadores que jogam à sua frente, não se esconder do jogo, ter qualidade e variabilidade de passe, possuir critério na identificação dos timings de entrada da bola, noção de ritmo e um adequado entendimento da velocidade de jogo. Logo, não serve um qualquer. Se não satisfizer muitos destes requisitos, não será a “rosa-dos-ventos” que a equipa necessita, mas antes um “cata-ventos” que vai para onde o jogo e os adversários o levam.

Retomando o problema da apologia simultânea do pivô e do “médio transportador”. Também eu penso tratar-se de um erro, sendo de realçar que, no meu entendimento, o emprego pelo Nuno Amieiro da palavra “simultaneamente” é um preciosismo de enorme pertinência. Concordo, igualmente, com a impossibilidade de ligar a lógica do “médio transportador” com a do pivô em momentos simultâneos do jogo, uma vez que as repercussões que as subdinâmicas do “médio transportador” têm em sobreposição às do pivô, são nefastas e hipotecam a possibilidade deste último o ser.

Assim, sem dúvida que haverá um divórcio, ou melhor, não haverá... por não poder haver casamento! A existência de um “médio transportador” nos primeiros momentos de construção retira ao pivô a preponderância e funcionalidade que este deve ter em tais circunstâncias, fazendo-o desaparecer do jogo. Um dos noivos não aparece ou participa no casamento, por lhe ser retirado espaço e tempo, preponderância, sendo ainda muitas vezes obrigado a baixar ou a ocupar zonas estranhas que, no seguimento, implicam um recuo da equipa que, das duas uma, ou sente dificuldade em dar profundidade ao jogo ou, mantendo-se profunda, acaba por se partir.

Jorge Maciel

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